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Plano diretor e forma urbana – por que a escolha de São Paulo vai além de gabarito dos prédios

Plano diretor e forma urbana. Por que a escolha de São Paulo vai além de gabarito dos prédios.

Plano diretor
Por que a escolha de São Paulo vai além de gabarito dos prédios.
Forma urbana
Por que a escolha de São Paulo vai além de gabarito dos prédios.

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O Plano Diretor Estratégico da cidade está para ser alterado. Na verdade, quando você ler esse artigo, mais provavelmente já foi alterado, o que não tem importância pois essa aqui é uma tentativa de contribuição para o entendimento de porque e como o debate está deixando de lado algo que é prioritário para a qualidade do ambiente urbano para as pessoas: a forma urbana, ou seja, o espaço construído, sua relação com o espaço aberto, e seu impacto na imagem da cidade e na experiência de sua população ao usufruí-la.

 

Primeiro, é importante lembrar que um Plano é uma evolução constante, baseada nas constatações de sua aplicação em um período determinado. Se atingiu seus objetivos, fatores de sucesso, por que não conseguiu, como melhorar, e assim por diante. Assim, antes de avaliar, é bom reforçar nosso entendimento de que a revisão atual mantém a premissa de adensamento construtivo ao longo dos Eixos de Estruturação e Transformação Urbana, e em torno das estações de transporte de massa, incentivando aproveitamento de infraestrutura existente ou planejada e, ao ampliar a área de aproveitamento na sua revisão atual, em teoria, reduz custos e incentiva habitação social.

 

Vale reforçar que essa abordagem no Plano de 2014 é proveniente de duas estratégias de design urbano mundialmente comprovadas como bem-sucedidas. Primeiro reflete o que chamamos de DOT – Desenvolvimento Orientado para o Transporte, que busca concentrar densidade combinada com oferta de transporte e incentivar o uso do transporte público com tos benefícios de redução da poluição e trânsito, melhoria da saúde pública, economia de investimentos, entre outros. Mas fica a questão: 600 metros propostos é uma distância caminhável? Sempre? Não queremos nos ater à essa questão pois o assunto desse artigo é justamente o próximo ponto, mas é importante não deixarmos de lado para a avaliação geral das consequências das alterações propostas, contra o que está sendo observado.

 

O segundo ponto, que é o assunto deste artigo, é uma leitura que teve razoável atenção no processo de proposição do Plano Diretor Estratégico em 2014, que é o limite de gabarito definindo a forma urbana, mas que foi gradualmente substituída pela noção de limite de densidade e seu reflexo na altura dos prédios. Então as pessoas, empresas, organizações e a imprensa, em geral, insistem em tratar “densidade” como sinônimo de “gabarito” por aqui, a despeito dos inúmeros apelos de Urbanistas, explicando que número de pavimentos não necessariamente traduz a densidade, intensidade.

 

Uma forma simples de exemplificar é comparar um recorte de Paris como o Bairro Latino (pouco mais de 20 mil Hab/km²) e seus quarteirões bem-definidos por prédios de três até seis, sete andares edificados no alinhamento; ou um bairro como o Complexo da Maré (22 mil Hab/km²) com sua massa construída uniformemente densa por edifícios geminados de 2 a 4 andares; contra o Jardim Paulista (14.540 Hab/km²) com seus prédios mono-funcionais, isolados e mudaos ou gradeados, de 15, 20, 30 andares, seguindo o padrão torre-pontuais implantadas no meio-do-lote, em lotes meio-de-quadra, enquanto as esquinas mantém edifícios de dois pavimentos ou receberam postos de gasolina, por exemplo.

 

Enquanto isso, Urbanistas defendem com propriedade a tipologia do Bloco Urbano, ou seja, o quarteirão definido por edifícios-lâmina, com corredores no centro e distribuição das unidades para a rua de um lado, e o interior da quadra do outro, de gabarito menor e portanto não comprometendo insolação e ventilação natural de interiores e exteriores, provendo proteção mais eficaz ao clima para pedestres, intimidade apropriada para moradores, segurança para a rua pela vigilância-passiva das unidades mais próximas, enfim, uma escala mais humana. Nada de novo, uma vez que essa tipologia foi muito explorada nos primeiros três quartos do século passado, mas que praticamente desapareceu depois do Plano Diretor no início da década de 70 e seus recuos obrigatórios.

 

Como lembra Anthony Ling em um artigo recente: A exigência de afastamentos entre as edificações, principalmente no térreo, afasta as atividades dos pedestres e entre si, reduzindo a caminhabilidade. Consequentemente, o comércio de rua também se torna menos viável. Paulistanos devem notar que alguns dos bairros que se desenvolveram recentemente e que ainda possuem certa caminhabilidade, como Pinheiros, Itaim Bibi e a Vila Olímpia, mantiveram seu comércio de rua devido a pequenas casas que ainda não se transformaram em edifícios, dado que maioria dos novos edifícios foram recuados das calçadas e, muitas vezes, cercados. (Leia mais em https://braziljournal.com/opiniao-o-novo-plano-diretor-deveria-deixar-sp-construir-mais-nao-menos/).

 

Essa tipologia, a combinação edifício-lâmina e o Bloco Urbano, apesar de todos os benefícios para a qualidade-de-vida de cidadãos e cidadãs, é difícil de ser aplicada por dois motivos principais, a nosso ver. O primeiro é óbvio: a repetição de pavimentos verticalmente aumenta a eficiência da construção (e, portanto, o lucro) e torna mais simples (e, portanto, mais veloz) a comercialização de unidades. Essa é uma limitação que só pode ser equiparada ao modelo torre-no-centro-do-lote quando a planta de um edifício puder ser repetida mais vezes – como fizemos no City Walk High Street em Dubai, o que demanda mais área de terreno ainda. Já que citamos o City Walk, ali o valor final das unidades não deixou a desejar em comparação com apartamentos mais altos das torres nos arredores exatamente pela oferta de estilo-de-vida, ou seja, o “walk” (caminhada) sendo um adicional de valor ao ponto de nome ao empreendimento que já está na sua terceira ou quarta fase.

 

O outro motivo não é exclusivo de São Paulo. As legislações urbanísticas no Brasil em geral incluem na área computável para fins de aprovação as áreas de circulação, o que, basicamente, estimula a repetição vertical de planos com circulação central. Assim, a fórmula de aplicação do coeficiente de aproveitamento impulsiona uma repetição de torres isoladas, sem contato com a rua, com espaços muitas vezes amorfos entre si e na frente do lote, geralmente gradeados e sem comunicação visual com a calçada, além de uma guarita (um tipo de edifício para fins militares). É o chamado “paliteiro”, que até poderia ser mais elegante, não fosse a restrição de recuos frontais, aliada à preferência das Incorporadoras pelos terrenos de meio-de-quadra, mais baratos, resultando em um quarteirão incompleto, faltando um pedaço, que é a esquina reforçada por edifícios de formato e usos mais significativos, mais relacionados à sua implantação privilegiada.

 

Não significa dizer que é impossível aplicar os princípios do Bloco Urbano. Em projetos recentes, como o Ouse Natural Home, em Campo Grande, conseguimos em colaboração com a Incorporadora aproveitar a imensa frente do lote para incluir o componente de unidades compactas em uma lâmina no alinhamento, respeitando a escala e a vocação de um empreendimento de frente para um parque linear e contribuindo para “emoldurar” a Via Parque. Ali encontramos ainda outro fator que poderia ser facilmente resolvido: os recuos proporcionais à altura do edifício mais alto, a torre, aplicados à lâmina, não foram amigáveis, mas não inviabilizaram a implantação desejada.

 

Para concluir, a ampliação atual da distância considerada para maior de aproveitamento do lote a partir de corredores e estações, terá certamente impacto na compactidade da cidade – que é importante ao otimizar a densidade, diminuindo mais gradualmente em direção aos limites, mas não necessariamente teria um resultado pior do que o Plano anterior proporcionaria. Seria necessário incluir mais detalhe, preferencialmente baseado em estudos técnicos que deveriam já ter sido produzidos, utilizando os Planos de Bairro que, infelizmente, ainda não se observam.

 

Assim, o que deve ficar claro é que estamos escolhendo não corrigir a falta de flexibilidade e estímulo à variedade de tipologias de edifícios, perpetuando o “paliteiro” de torres e abrindo mão dos quarteirões de blocos, e que o resultado na qualidade de vida e na paisagem urbana, portanto, na imagem da cidade, seu branding, será um reflexo dessa escolha.